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Necromaquiador revela os bastidores da profissão

Miguel Faustino prepara os corpos e maquia os rostos dos mortos para o velório: “É a última imagem que a família terá”

As situações enfrentadas por quem trabalha na área funerária são as mais inusitadas possíveis. Há profissionais que se recusam a fazer turnos à noite e os que se negam a preparar corpos de crianças. “Cada um tem a sua mania”, diz o necromaquiador Miguel Faustino. Simpatizante do candomblé, o carioca de 45 anos radicado em São Paulo sempre faz uma oração e pede licença para tocar o corpo e iniciar seu trabalho.

 

Os passos a serem seguidos no dia a dia da profissão de Miguel não são para estômagos fracos. Primeiro são retirados os fluídos naturais do corpo, logo substituídos por líquidos conservantes -- prática denominada tanatopraxia. Depois vem a preparação da pele do rosto e então a maquiagem. E, por último, a ornamentação do caixão.

Quem vê o necromaquiador circulando pelas ruas do centro de São Paulo com uma maleta a tiracolo dificilmente imagina que ela está repleta de produtos de beleza. Com quase dois metros de altura, o ex-jogador de basquete hoje domina a técnica de delinear os olhos, passar batom, blush e pintar as unhas. Tudo para deixar alguém que partiu com uma boa aparência. “Afinal, essa é a última imagem que a família e os amigos terão do falecido”.

"Já escutei coisas do tipo: ‘você consegue jantar quando chega em casa? É você que lava a salada?’ As pessoas se esquecem que a gente entra como astronauta na sala"

O brasileiro não elabora bem a morte, Faustino acredita. Por isso, em suas aulas (ele também é professor das técnicas citadas), discute a importância do trabalho psicológico com os alunos. Já precisou ser firme em aulas práticas, como quando uma aluna se descompensou ao ver o corpo de uma senhora. “Ela se ajoelhou e começou a chorar porque achava que a mulher se parecia com a avó dela. A família da falecida ficou sem entender. Fui lá e pedi para que ela se levantasse e assumisse uma postura mais profissional”, relembra.

O distanciamento é necessário, mas isso não quer dizer que uma pessoa que lida diariamente com a morte precisa ser fria. Ao contrário. “É preciso ter sentimentos e respeito pelo falecido, e mais ainda pelos que ficam. Tem muitos familiares que não aceitam, não querem entender a partida. Também estamos lá para dar apoio”.

Como astronauta

As informações da família são cruciais para não descaracterizar o morto. A maneira mais segura é recorrer a fotos e descrições. Faustino sempre checa a cor do batom preferida, mantém o desenho da barba e, no caso de pessoas religiosas, procura objetos representativos. Foi o caso de uma senhora católica, que teve um terço enrolado nas mãos.

Necromaquiador revela os bastidores da profissão

Preparar o corpo de alguém que teve morte violenta é muito mais trabalhoso. Quando necessária a reconstrução facial, ele fica cerca de três horas na mesa. Porém, é muito satisfatório para ele quando o caixão fica aberto, em vez de lacrado, como seria o esperado. “É muito desafiador reconstruir um rosto desfigurado. Saber que a família poderá enterrá-lo depois de se despedir, e que a última imagem que os parentes terão da pessoa será boa”.

Assim como tira de letra as tarefas diárias do trabalho, Miguel também lida bem com os mitos que cercam a profissão. No imaginário coletivo, acredita-se que haverá corpos pendurados no teto da sala de necropsia, bem como almas penadas por todo lado. “Já escutei coisas do tipo: ‘você consegue jantar quando chega em casa? É você que lava a salada?’ As pessoas se esquecem que a gente entra como astronauta na sala. São três macacões, máscara, óculos e luva”, lista.

Medo ele não tem, mas diz já ter sentido as vibrações dos corpos, especialmente aqueles cuja morte foi brusca e repentina. Porém, prefere evitar o assunto para não levantar polêmica. Sonha regularmente com o que acontece no dia. Rostos vêm e vão ao longo da noite. Se ele acorda assustado com alguma lembrança de um falecido, reza e volta a dormir. Afinal, no dia seguinte, mais trabalho pela frente.

Para Miguel, a vida é apenas uma passagem e não há necessidade de sofrer pensando na morte. Afinal, ela é inevitável e chega para todo mundo, sem exceção. “Na mesma mesa estão um alto executivo e um mendigo. Não há qualquer diferença entre os dois nessa hora. São tratados da mesma maneira”. Sobre a própria partida, confessa que gostaria de ter uma morte natural. E, como fez para muita gente, quer ser cuidado, maquiado e ter seu caixão bem ornamentado.